domingo, 30 de maio de 2010

40 mulheres



Esse foi o primeiro livro de Clotilde Zingali que eu li. Gostei muito. É o terceiro dela, que tem 2 outros de poemas: “Oco Hálito” e “Bricolages para geladeira” Clotilde é paulista, mas atualmente mora aqui em Joinville. O belo projeto gráfico e o título provocador me atraíram para esse livro de dimensões pequenas. Dimensões gráficas, acrescente-se ( Acho que 15X15 cm.) Pois as dimensões brincam com o infinito logo ao abrimos o livro. E sabe por que? O tema do livro: mulheres. 40 perfis, 40 fotografias, 40 cenas, 40 mulheres, cada um com seu fardo e sua força. Cada mulher é representada num trecho de uma prosa poética muito bem-escrita.
E esse título? “40 maneiras possíveis de se descascar uma mulher” pode ser uma armadilha para um pensamento safado e ingênuo, de que há maneiras fáceis e seguras de penetrar no âmago de uma mulher para devorá-la. Desnudar a mulher como quem vai comer uma fruta: quem toma esse rumo acaba se engasgando com os caroços de humanidade que as mulheres de Clotilde representam. A “Gisele” (minha mulher preferida do livro) é prova disso:

“De tanto desejo nasce uma lucidez estranha. Em árvores, nas pedras do jardim, sob o fundo escuro da noite que prediz manhã de sol. Ela olha a palmeira que se desdobra sob a porta – não diz palavra – tem cachos que despontam do caule, colorações diversas e contornos; ela não, não sabe onde começa, nem sabe onde termina – é mercê de paisagens. Varada e traduzida. No vazio da sala entre tanta gente. Ela segue, se perde e se percebe. Mas quando perguntaram o que a traduzia: a poesia é meu modo de estar doente.”

Entre tantas mulheres diferentes, tem-se o relato perdido de “Angélica”:

“Abdiquei de quase todas as profundidades. Fiquei em bordas de piscinas, orelhas de livros e leituras dinâmicas. Armo estratégias, ponho o despertador sempre para as 7:30. Não necessariamente escuto ou levanto. Deu que o tempo cismou de abraçar a causa, depois se tornou meu aliado. Dias inteiros na rede. Só o farfalhar da preguiça. Parafusos todos espalhados pelo chão e eu sem a menor noção do manual. Desde cedo disseram que manuais eram coisas de meninos.”

Ou ainda, a concisão – paixão na lata - de “Sandra”:

“Nua. Batendo na porta da tua casa às 3 da manhã”

Um trecho que me comoveu é o de “Norma”. E já explico o porquê. Ó:

“Ela usa calça jeans, cintura baixa. A camiseta contorna a cintura e deixa entrever um pedacinho da barriga. Nos pés, sapatilhas. Atravessando o tronco, uma bolsinha. Senta no café ao lado da moça e faz seu pedido: uma garrafinha de chocolate e um pão de queijo. Conversa com a moça, mexe nos cabelos e olha tudo ao redor. Sorve o mundo com seus olhos. Nove anos e alguns dias.”

Assim: Você está lendo vários perfis de mulheres, uma a uma, e, lá no meio, se depara com a Norma. E percebe que se não fosse a narradora contar a idade dela, ao acrescentar a última frase “Nove anos e alguns anos”, não saberia dizer que Norma é uma criança. Uma criança entre tantas mulheres 'maduras'. Passaria batido, creio. Ok, ok, alguém poderia dizer que os diminutivos presentes no texto e a frase “sorve o mundo com seus olhos” são pistas para delinear a infante personagem. Mas ninguém tira de mim essa [estranha] visão de meninas-mulheres, uma cena constante em nossa sociedade.

Norma, Sandra, Gisele e Angélica são 4 exemplos das diversas mulheres apresentadas por Zingali. Se as 40 mulheres carregam dramas, desejos e personalidades muito diferentes entre si, em todas persiste a força de ser mulher, contra todas as barreiras que surgem, todas afirmam seus desejos e suas necessidades. Pudicas ou maníacas, pobres ou requintadas: todas sem vergonha de ser mulher. Todas mulheres de peito? Sim, por que não. De peito, de bunda. Mas também de pulso, de mente, de fibra, de raiva, de amorosidade e paixão. Todas mulheres.

Na epígrafe do livro de Zingali, versos de Manoel de Barros (“eu sou muitas pessoas destroçadas”).
O que me faz arriscar que Norma, Bianca Priscila, Analuci e as outras são pedacinhos de Clotilde.

¹Projeto Gráfico a cargo de Estevão Teuber. A editora é a Nova Letra, de Blumenau/SC.

PS: não se enganem pela foto-cartaz, tá? O livro já foi lançado em 2006 (ou 2007?) enfim.

2 comentários:

  1. cara, tua resenha ficou ótima! tenho e li os outros dois da clotilde. preciso ler e ter este!
    acho-a ótima, ótima!

    abração!

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  2. Os livros da Clotilde são de uma qualidade sem igual mesmo. Ela como pessoa também é muito querida.

    Não tinha este blog nos meus links, Eduardo. Só O Sujeito Oculto (que fizesse post recente... eee...) =P

    O meu blog eu voltei (depois de 4 meses fora do ar). Mas enfim... abraços!

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