sábado, 29 de agosto de 2009

Sessão das Dez

Recentemente (dia 21 de Agosto) completou-se 20 anos da morte de Raul Seixas, o maior roqueiro do Brasil na minha opinião. Bem, há quem discorde, outorgando esse título para Renato Russo. Como nota-se nas palavras de Sérgio Martins (em artigo para a Veja do dia 10/06/09): "Foi como letrista e vocalista dessa banda que Renato Russo se tornou o maior nome da história do rock brasileiro."

Ok, Let's go.

Sou fã também de Renato e sua banda. Admiro -e muito- suas letras: Renato é, sem dúvida, um dos "poetas" do rock brasileiro ao lado de nomes como Cazuza e o próprio Raul. Agora... o maior nome do rock brasileiro é, indubitavelmente, o Raulzito. E é fácil provar isso.

Renato tem letras maravilhosas, sempre com muita sensibilidade na composição dos seus versos. Posso dizer que suas letras são mais poéticas (mais concisas, mais jogos com a ambiguidade das palavras, mais metáforas amargas e imagéticas)do que as de Raul, mas Renato não tem todo o leque criativo que Raul apresentou. Renato fez seu rock "marginal", contestador (lembremos também do CD "Equilíbrio distante", com músicas lentas, todas em italiano - uma obra à parte). Enquanto Raul, além de popularizar no Brasil o Rock'n roll de Elvis, Jerry Lee Lewis e outros, também soube fundir os mais diversos ritmos ao rock, conseguindo canções inesquecíveis. Renato foi um grande roqueiro: Raul, um grande músico. Fez sobretudo rock, mas sempre rodeado por outros ritmos. Além disso, no "currículo" de Raul, está sua posição contestadora e agressiva frente à ditadura militar, o que lhe rendeu um "convite" a deixar o país. Sem falar em dezenas de canções censuradas.

Mas enfim, eu - que sou um fã inveterado (inveterado... o que significa isso, né?).
Bem, eu que sou um grande fã do Raulzito deixo aqui embaixo uma lista de 10 sucessos de Raul Seixas (isso não é um Top 10), que comprovam as multifaces desse genial músico brasileiro, que - assim como Elvis - não morreu.

1- Ouro de Tolo - Essa é mais-que clássica. Foi escolhida como uma (a única de Raul citada na lista) das 100 melhores composições da MPB, numa lista da revista "Bravo!". Em primeira pessoa, a canção fala da banalidade, do vazio de uma vida (ah, mas que sujeito chato que sou /Não acho nada engraçado / macaco, carro, praia, jornal, tobogã/ Eu acho tudo isso um saco. Essa letra contém os imagéticos versos (no limite da sinestesia):
"Eu que não me sento no trono de um apartamento/com a boca escancarada cheia de dentes/ esperando a morte chegar/ porque longe das cercas embandeiradas que separam quintais/ no cume calmo do meu olho que vê/ assenta a sombra sonora de um disco voador"

2- Sessão das Dez - Essa é pouco conhecida da maioria. Aqui temos uma música puramente brega, à moda de Waldick Soriano, ou até Vicente Celestino. Mas brega mesmo. Num ritmo lento e arrastado, a letra conta a história (adivinha!) de uma desilusão amorosa. Letra bem simples, melodramática, ("Curtiu com o meu corpo por mais de dez anos/foi tamanho o desengano/que o cinema incendiou"), letra que mostra mais uma das facetas de Raul, ou melhor, Raulzito¹.

3- É fim de mês - Está música também é pouco conhecida, talvez por aparecer somente no álbum Documento, lançado somente após a morte de Raul. Considero uma das músicas mais legais de Raul: tanto letra quanto ritmo. Aliás, o clip dessa música (Multishow) é muito legal, está no Youtube (recomendo!). Nessa música, Raul funde o rock ao forró, à percurssão baiana (ritmo do candomblé). A letra contém algumas críticas à massificação das mídias e à publicidade excessiva, e critica principalmente o comodismo, mal que afeta muitos.

4-Metrô linha 743- Essa aqui é sensacional! Nessa Raul vira um prosador e conta uma história surreal, sempre com uma crítica nas entrelinhas. Melhor mesmo do que eu contar a história, é dar uma olhada na própria letra dessa música, que não é cantada; dá pra dizer que contada por Raul. Eis a letra de Metrô linha 743

5- Eu sou egoísta - essa é uma das minhas favoritas, senão a favorita. A letra é ótima. O Raul Seixas desnuda o seu egoísmo e provoca "Eu sou ego/Eu sou ista/Eu sou egoísta/Eu sou, eu sou egoísta/ Por que não?/ Por que não?/ Por que não!")

6- Pagando Brabo- Outra das "desconhecidas" do Raul, constante no álbum "Mata Virgem". Uma letra bem sensual, que destaco pelo fato de que o sexo não é um tema muito recorrente nas músicas de Raul. O ritmo é muito bom, com a guitarra distorcidas, enquanto o baixo dá o tom sensual à música. Recomendo!

7- D.D.I Discagem Direta Interestelar - Nessa música muito bem-humorada e criativa, deus liga (de um orelhão) para o povo da Terra a fim de criticá-lo. Afinal, o povo está sempre descontente, e tudo que ele (deus) faz, nunca fica perfeito aos olhos dos homens. Ao final, deus avisa: "Mas se alguém ligar/ Dizendo ser eu/ Pode ser um trote do diabo/ Que já desceu/ Que já desceu!". O tema das religiões é muito recorrente nas letras de Raul. Quase sempre com o tom despreocupado e paródico, como é o caso de D.D.I e também de "Judas", em que o apóstolo apresenta sua defesa.

8- Sapato 36 - Letra muita bonita. A canção é uma metáfora para a difícil relação enre o pai e o filho, em que este resiste à imposição de idéias pelo pai. ("Eu calço é 37/ meu pai me dá 36/Dói mas no dia seguinte/Aperto meu pé outra vez")

9- Let me sing, Let me sing - Música síntese da arte de Raul: aqui o roqueiro baiano mistura o rock'n roll antigo ("que não tem perigo de assustar ninguém") com o baião, ao melhor estilo Gonzaguinha. Entre os versos de baião (fala coloquial, malandra), com a sanfona e o triãngulo, o refrão com guitarra e piano: "Let me sing, Let me sing/ Let me sing my rock'n roll"/ Let me sing, Let me sing/ Let me sing my blues and go")

10- Senhora Dona Persona - Essa, assim como Metrô 743, exigia a reprodução da letra para um melhor entendimento. Trata-se uma metáfora muito louca para a morte - a tal Senhora Dona Persona. ("Eu queria ver tua cara/ Não encontrei nenhuma cara/ Qualé, tá pensando que é deus?!"). Nessa letra, Raul cunha a frase "Os homens passam, as músicas ficam.", que é uma grande verdade - ele mesmo prova isso.


E detalhe: apesar dessa lista recheada de sucessos, ainda há muitas letras ótimas de Raul. Lembremos de "Meu amigo Pedro" "Metamorfose Ambulante" "Tente outra vez" "Maluco Beleza", entre muitas outras.

E então,
Raul é ou não é o maior roqueiro do Brasil?

=D

NOTAS INÚTEIS:

¹ No disco em que a canção "Sessão das dez" aparece ("Se o rádio não toca"), ao invés do nome Raul Seixas - como está nos créditos das demais músicas - esta tem o nome Raulzito. Como se Raulzito fosse um outro lado de Raul, lado mais romântico e brega. Aliás, há uma referência a essa "persona" de Raul em outra de suas músicas: "As aventuras de raul Seixas na cidade de Thor", que é toda composta por repentes (mais um ritmo aproveitado por Raul):

"Raul Seixas e Raulzito/
Sempre foram o mesmo hôme/
Que para aprender o jogo dos ratos/
Transou com Deus e o Lobisomem"

O menino Saramago

“Há coisas que nunca se poderão explicar por palavras.”

Essa frase é de José Saramago, e foi extraída do romance "O homem duplicado", que ainda não li (:P).
Mas lendo, reparei que ela contradiz a frase que botei no no topo do meu blog.

Afinal, se tudo é palavra, como pode haver coisas que não podem ser explicadas por ela?
Aliás, o que quero dizer com "tudo é palavra"? (momento de questionar-se)

Preciso pensar mais a língua. Chegar a uma conclusão e postá-la aqui.
Mas talvez seja Saramago quem esteja errado.
Claro! Saramago é um menino ainda, pouco vivido, tem muito a aprender.

PS: O Saramago mantem uma página pessoal (não é um blog) há algum tempo.
Quem tiver interesse, há o link para ela no canto direito do meu blog. (em "Interessantes")

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Distração e Castigo

Leben, Leben, Mist Leben.

Ontem à noite aconteceu uma comigo... estava eu no ônibus, sentadinho, indo para a faculdade. Ao meu lado a Daiane, com quem eu conversava. Ofereci-me a carregar no colo, além da minha mala, a bolsa de uma outra pessoa desconhecida. Aí decidi ouvir um sonzinho no MP3. E para completar, abri o meu recente xodó: Crime e Castigo, clássico entre os clássicos, de autoria de Fiódor Dostoiévski. Ele é russo (ah é! jura!) Mas é lógico, eu estava lendo uma versão traduzida, numa edição bem bonita. (Uma coleção da Folha de S. Paulo). Enfim: um bom livro - foi um achado encontrá-lo no sebo - numa boa edição.
Se você me conhece o suficiente, já imagina a leben leben que fiz. Cheguei ao ponto final. Devolvi a mala, desliguei o Mp3 e desci. Fui para a facu. Tive aquelas aulas chatérrimas e ao final delas, ao arrumar minha mala... notei a falta da criança: Crime e Castigo -- já era. Deixei no ônibus!!

leben, leben, Mist Leben! (sim, isso é um refrão)

E olha: eu estava na segunda parte (o livro é dividido em cinco) e estava gostando muito. O livro conta a história de Raskólhnikov, um jovem estudante, que no início do livro, está pobre, sem um tostão e sem emprego. Vive num pensionato, sem pagar aluguel, sob pressão da senhoria. Poucos amigos (ele se afastou dos colegas), o jovem anda como um maltrapilho, mal vestido e despreocupado com tudo e com si mesmo. No início do livro o leitor já é apresentado ao "projeto" de Raskólhnikov: matar e roubar Alena Ivanóva, uma velha senhora usurária (empresta dinheiro, sob penhora de objetos, pra cobrar juros depois)

Até onde li, a cena em que o jovem mata a senhora (e a irmã dela também - não estava nos planos) já havia se passado. Raskólhnikov estava com a saúde debilitada, de cama, sendo ajudado por um amigo seu e pela empregada do pensionato. Na cidade, corria a investigação dos assassinatos. Até então, ninguém seguia as pistas que levavam a ele.

O livro estava muito bom, agora vou tratar de achar em alguma biblioteca pra terminá-lo e, quem sabe, voltar aqui para falar desse livro.

Leben, leben, Mist Leben!

Mas, céus! Perder um livro!! Isso, pra mim, é como perder um filho!
Estou desolado!

Leben, leben, Mist Leben!


PS: Se vc desconhece a tradução desse meu belíssimo verso, meu amigo Jumbriano explica em uma de suas recentes postagens. E explica sob uma perspectiva diacrônica! hahaha

=D

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

TESTE

LÁLAMDKLSAMDFLMSDKFMNSDK EDUARDO

terça-feira, 25 de agosto de 2009

A onomatopéia na poesia

Ainda me lembro dos exemplos da professora (ensino fundamental) quando o assunto era onomatopéia.

Au-au, do cachorro.
Miau, do gato
fom-fom, da buzina... e por aí continuavam.

Coisa boba isso, né?

Mas dia desses, lendo o prefácio do livro "Desenhos mínimos de rios", do poeta joinvilense Fernando José Karl, reparei no quanto o recurso onomatopéia pode ser bem mais rico, especialmente para a poesia.

Aí vc se pergunta: só agora vc descobriu isso? pois é, só agora reparei.
O exemplo é retirado do prefácio do livro de Karl, escrito pelo também poeta Carlos Nejar:

OBSERVANDO UM SINO EM OSAKA

Sino de pedra
e nenhum pássaro
no sino de pedra.

Trinta anos o sino no pórtico do templo.

Um monge lava o sino de pedra,
depois lava-se observando o sino,
depois dança em torno do sino

e faz de suas mãos
pássaros

que pousam no sino de pedra.

Sino de pedra
e alguns pássaros
no sino de pedra.

Nesse exemplo, A repetição de "sino de pedra" marca o ritmo de um sino a bater, como bem observa Nejar. Essa onomatopéia é bem mais ampla do que as comuns, pois é realizada ao longo de todo o poema. Além disso, ela não é uma simples imitação de um som: Karl aproprio-se estritamento da ideia de "ritmo", sem se preocupar com o "som" de um sino. O resultado é essa composição excelente que vemos aí acima.
Outro exemplo diferente e muito legal de onomatopéia para sinos é esse pequeno poema de Oswald de Andrade, extraído do livro "Pau-Brasil":

BONDE

O transatlântico mesclado
Dlendlena e esguicha luz
Postretutas e famias sacolejam

Aqui, Oswald brinca com a tradicional imitação do som de sinos.(lembrando que os bondes possuem sinos acoplados em sua estrutura para anunciar sua passagem) Mas o criativo Oswald não isola a reprodução do som (dlen-dlen), ao invés disso, cria uma palavra (dlendlena) a partir da onomatopéia. Demais!
(Particularmente, acho esse poema maravilhoso. Com três linhas, Oswald apresenta um punhado de ideias e imagens)

Enfim, olhando para esses exemplos de uso inteligente da onomatopéia, reforçou-se a ideia de que todo recurso (seja ele linguístico, temático, estilístico, etc) pode ser usado com criatividade, desde que se faça um uso inteligente deles. Não há recursos gastos: o que há são autores gastos, que não ousam e ficam a repetir velhos modelos do bi-bi fom-fom.

:P

domingo, 23 de agosto de 2009

Convite!

A todos os que visitam esse blog, convido a darem uma conferida em outro:

www.daki-dali.blogspot.com

Uma parceria Eduardo-Daiane. Vamos postar de tudo, especialmente cositas relativas à cultura da cidade.
Recentemente, postamos "um tour pelos sebos de Joinville", com dicas para quem visita o comércio de livros da cidade.

Dê uma conferida!

Beijo para as raparigas e abraços para os rapagões!

Read or not read? That is the question

Seguindo à risca um costume meu, fui esse mês à livraria gastar boa parte do meu dinheiro em livros. Gosto de ler. E leio muito. Pra mim, a leitura serve para várias coisas. Muitas coisas. A mais famosa função é adquirir conhecimentos. Mas o que aprendo, por exemplo, lendo um poema-piada de Oswald? Desculpem-me a sinceridade, mas a resposta é nada. Estou falando de literatura, e quando o assunto é esse, a última coisa que penso é adquirir conhecimentos. Então por que ler? Como sou malandro e não sei responder isso, usarei uma velha técnica que consiste em desviar o foco do papo com outra questão. Por que afinal, meus caros leitores inexistentes, o que é leitura? Você sabe?
Acho que esse questionamento estava no meu inconsciente na semana passada, quando entrei na livraria e comprei "Como falar de livros que não lemos", do psicanalista e professor francês Pierre Bayard. Pelo título, depreende-se que se trata de um novo manual para vagabundos que não gostam de ler...correto? Errado. É sim um livro que demonstra como falar de livros que não lemos, ou que folheamos, ou que lemos e esquecemos. Mas, acima de tudo, é um livro que pretende provar que o não-ler não é sinal de preguiça ou falta de cultura, muito pelo contrário, para Bayard há inúmeras vantagens em não ler um livro em sua totalidade.
Eu sei, você está curioso e quer que eu conte tudinho sobre essas técnicas. Até conto, mas aviso: farei isso ao modo Bayard, ou seja, seguindo os princípios que o próprio autor expôs em sua obra. Assim, decidi escrever esse texto logo que folheei as suas páginas. Para ser sincero, li linearmente todo o primeiro capítulo, e boa parte do segundo. Foi o suficiente pra depreender as idéias centrais de Bayard que, tenho certeza, permearão todo o restante do livro. Sendo assim, poderia deixar como está: li poucas páginas e já disponho de todo o material necessário para emitir um juízo a respeito do livro. Não farei isso, pois Bayard é um ótimo escritor. Seu texto é coerente muito instigante, por isso procurarei ler mais trechos de sua obra. A leitura de seu livro é fácil, o que não quer dizer que não seja rica: a obra está cheia de alusões e paralelos interessantíssimos. (E detalhe, alguns deles feitos a partir de obras que Bayard nem sequer leu.)
O título de meu texto é uma provocação ao modo como a sociedade em geral trata o ato de ler. Pierre denuncia a ideologia da sociedade que predomina em todos os locais: desde o meio acadêmico, até uma descontraída discussão entre amigos leitores. Hoje, a leitura é vista como algo obrigatório. Há listas e listas de "livros essenciais". Aquele que lê um livro do modo tradicional, ou seja, de forma linear e aprofundada é visto como intelectual, como "entendido". Bayard questiona essa idéia. Para ele, é muito mais interessante ter-se uma visão de conjunto, ou seja, uma visão ampla que capacite alguém a situar um livro dentro de um conjunto. Nesse sentido, o mais interessante não é dominar profundamente uma única obra, pois ao fazer isso, está se ignorando tantas outras obras. O importante, pois, é identificar na obra uma idéia que possibilite compreender sua importância e sua originalidade em meio de tantos outros livros. O que autor diz é que é possível folhear livros, ler excertos, ou até ficar ouvindo o que outros dizem sobre certo livro que você não leu, e disso depreender a essência fundamental do texto para fazer juízos de valor, associações com outras obras, e situá-las em diversos contextos, sejam eles de cunhos editoriais, literários, filosóficos, políticos, econômicos, históricos e etc.
Essa é a visão de Pierre Bayard. O que penso disso tudo? Bem, a leitura desse livro foi muito interessante, pois me identifiquei com muitos dos preceitos do escritor francês. Costumo ler profundamente muitas obras literárias¹. Na visão de Bayard isso é um pouco perigoso, à medida que nos dedicamos demais às estruturas da obra e esquecemos o exterior dela, que é talvez o mais importante. Mas eu também pratico a não-leitura: há muitos livros que folheio, ou ouço falar, e que utilizo em meus artigos ou em minhas explanações no cotidiano. Tudo isso sem cara-de-pau, mas sim com a consciência de que isso é mais que possível: é recomendado. Lembrando que não-leitura não significa não abrir um livro. Podemos folhear, ler trechos aleatoriamente, e ouvir outros falarem da obra visada. Dessas formas, não estamos lendo a obra, entretanto, estamos aprendendo (e muito!). O que Bayard traça em seu livro, do começo ao fim, é a forma com que devemos fazer isso. De um modo sábio, e não vagabundo e aproveitador como pensam muitos que se deparam com o título duvidoso do livro de Bayard. Mas como já disse, o livro é muito interessante, diria até maravilhoso, se pensar que ajuda a reformar o papel da leitura na aquisição e manutenção da cultura, e principalmente, ajuda a reformar a idéia de leitura.
Enfim, quero encerrar esse texto retornando ao título desse post. A frase acima é uma questionamento que alude à uma questão erigida por Bayard: há muito mais entre o ato de não ler um livro, e o ato de lê-lo de forma tradicional, profunda e linearmente. Muito mais. Talvez prova disso seja esse modesto e safado título, que brinca com o livro de Bayard, ao mesmo tempo que recorda uma famosa frase constante no manifesto antropofágico de autoria de Oswald de Andrade ("Tupi or not tupi. That is the question"), frase esta que nada mais é, do que uma alusão à famosa frase dita por Hamlet, segurando a caveira de Iorick², na famosa peça de Shakespeare.
O Detalhe: li só um capítulo de Bayard, li o manifesto antropofágico há muito tempo e já me esqueci dele, e nunca, nunca li Hamlet.
Visse, minha nega? Talvez o nosso amigo Bayard tenha razão...

NOTAS INÚTEIS:

¹Se pensarmos que Pierre Bayard estudou muito para ser professor universitário de literatura francesa, é óbvio que o jovem estudante Bayard leu muitas obras da forma tradicional. E "Mme. Bovary", então?

² Acabo de me lembrar de onde sei que o nome da caveira antológica de Hamlet é Iorick. A famosa cena, com o nome da caveira, é citado no ótimo romance "Encontro Marcado", de Fernando Sabino, que li alguns anos atrás, e do qual pouco lembro. Hehehe.

Oswald de Andrade

DITIRAMBO

Meu amor me ensinou a ser simples
Como um largo de igreja
Onde não há nem um sino
Nem um lápis
Nem uma sensualidade


Este poema é um dos mais conhecidos de Oswald de Andrade, poeta brasileiro que participou da famosa Semana de 22, em SP. Figura polêmica, que não pensava duas vezes antes de dizer o que pensava. Além de escritor, foi professor, sociólogo (por que não?) crítico teatral e jornalista (brilhante, por sinal). Oswald é autor de ensaios, peças, romances, contos e poemas. Todos, desde o seu início, com um estilo único. Como vemos na belíssima obra acima.
É curioso pensar que Oswald, agitador do modernismo - movimento de exaltação da brasilidade- sorveu muito da cultura européia para organizar o modernismo brasileiro. Da viagem que fez à frança, trouxe uma bagagem literária, que formou seu estilo. Trouxe mais do que isso, também:


CONTRABANDO

Os alfandegueiros de Santos
Examinaram minhas malas
Minhas roupas
Mas se esqueceram de ver
Que eu trazia no coração
Uma saudade feliz
De Paris


O estilo de Oswald é apaixonante pela mistura de sua grande capacidade sintética com o seu humor ácido. Em pouquíssima palavras, ele construiu belos poemas. Soma-se a isso uma linguagem única, composta por neologismos vertiginosos e pela exaltação da linguagem cotidiana. Isso fica muito claro em Obras como "Pau- Brasil", onde Oswald nos apresenta fotografias da história brasileira, desde o descobrimento, passando pelo época colonial até o fervoroso século XX. Como vemos aqui:

BONDE

O transatlântico mesclado
Dlendlena e esguicha luz
Postretutas e famias sacolejam

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FIM E COMEÇO

A noite caiu com licença da Câmara
Se a noite não caísse
Que seriam dos lampiões?



Não consigo esconder a minha enorme paixão por Oswald. Para mim, o mais original dos artistas de 22. O melhor? não. Bandeira, por exemplo, criou uma obra bem mais profunda e bonita. Mas ninguém tira de Oswald seu estilo ousado e despreocupado, tão raro nos dias atuais. Apesar da influência européia, pensar em Oswald é pensar em Brasil. Pensar em poesia. Pensar na descoberta das coisas que a gente nunca viu.
Este texto não tem nada de crítico. É somente um elogio desmedido de um aficcionado por Oswald. Je t'aime, Oswald!

Do jornalismo

Eu sempre achei que todo jornalismo deveria ser neutro: imparcial, transmitindo só e puramente a notícia, sem qualquer objetivo ou intenção que não fosse informar. Mas a realidade vem me mostrando que não existe esse modo de fazer jornalismo: não há como "isolar" a informação. Quem a transmite (o veículo, seja ele um jornal impresso, televisivo, uma revista, etc.) sempre imprime algo a mais na simples notícia. Toda notícia é manipulada. Manipulação vai aqui no seu primeiro sentido: manipular - antes do ato vulgar de "distorcer" uma informação - significa mexer em determinada estrutura, trabalhar sobre ela. Hoje em dia, ganhou tons de vulgaridade, toque esse retocado pelo jornalismo. Daí a mal-fadada expressão "manipulação das notícias".

E é verdade. Toda ação sobre uma certa notícia é um ato de manipulação. Os redatores da imprensa, ao definirem suas pautas, estão manipulando amplo corpus de notícias (são milhares, precisam escolher) e escolhendo aquelas que são de seus interesses. Interesses dos receptores (leitores e telespectadores), alguém poderia dizer. Não: são interesses de quem transmite, que tenta reproduzir a notícia de modo que chame a atenção de seus receptadores, gerando, assim, o lucro.

E esse exemplo das pautas é um dos mais gritantes para observarmos a manipulação; há outros bem mais discretos. Por exemplo, imaginem um âncora de um telejornal apresentando a seguinte notícia:

"O presidente Lula, em discurso na cidade de São Bernardo do Campo, declarou que não vai comentar as acusações contra o senador Sarna-Sarney, por que não pode emitir juízo, já que não sabe de nada"

Esse exemplo é fictício. Mas quem assiste telejornal sabe que esse tipo de chamada é corriqueira. Mas imaginemos, ainda, que o âncora, ao falar tal texto, dê uma ênfase à última fala do presidente: "não sabe de nada", quem sabe erguendo uma sobrancelha ou então, mudando o tom de voz ao pronunciar essa parte. Com tal atitude, o âncora pode sugerir muitas coisas: que Lula deveria saber; que Lula sabe mas não quer falar, que Lula vive afirmando que não sabe de nada, etc.

Não há instrumento mais flexível para a manipulação de pessoas do que a palavra. Mas sabemos também que um simples gesto, ou uma entonação diferenciada é capaz de dar outro rumo à notícia, imprimindo nela a marca de quem a veicula.

Onde quero chegar com isso? Não sei. A princípio, penso que cheguei num beco sem-saída. Não vejo como transmitir algo com total imparcialidade. A questão talvez resida - mais uma vez - na capacidade crítica dos receptores: leitores e telespectadores, consumidores de mídias. Cabe a todos receber a notícia e dela extrair somente a informação (se é que isso é possível) e julgá-la conforme nossas concepções, ao invés de simplesmente assentir ante a notícia "retocada" pelo veículo de imprensa. Tarefa difícil, seu sei. Utópica, eu diria.

Esse texto, na verdade, serve como uma introdução para uma série de comentários - somente comentários já que não sou jornalista, sou um consumidor de mídias - sobre alguns temas (a maioria, polêmicos) que tem me enervado nesses últimos dias. Jornalismo joinvilense, nacional, mundial: falarei de várias coisas. Falarei de revistas, jornais, programas de rádio e TV, e - óbvio - de jornalistas que fazem qualquer coisa, menos jornalismo.

Até Breve!

Tens sede?

Há pouco tempo, adquiri num sebo aqui de Joinville uma coletânea de poesias eróticas intitulada "Erotismo e Sensualidade em versos". O livro pretende ser uma antologia - organizada por Renata Cordeiro - de poesias eróticas da "antiguidade até nossos dias". Há uma ressalva a ser feita: a antologia traz sim muitos poemas antigos do Egito, um trecho dos "Cânticos dos cânticos" da Bíblia e outros poemas que sequer possuem datas precisas de seu feitio; porém apresenta poucos poemas da atualidade, e para em autores famosos como Fernando Pessoa, Ana Hatherly e António Leitão (o último poema é de Layla (1973), autora que desconheço. Ou seja, quem lê se pergunta: cadê os poemas dos nossos dias? Além de Layla, não há autores produzindo poesia erótica?
Mas como disse, é apenas uma ressalvas. Deixemos de lado o capricho deste leitor chato. O que importa é que se tomarmos tal livro como uma antologia da poesia erótica feita em todo o mundo, desde as primeiras civilizaçãoes, iremos nos maravilhar.
Um dos poemas, dos mais curtos (e antigos):

"Tens sede?
Toma meu seio,
Exuberante."

-Poema de Amor do Egito Antigo


Renata Cordeiro, no prefácio do livro (o livro foi editado em 2005), chama a atenção para "a atual ausência de pornógrafos talentosos", o que responderia minhas perguntas iniciais. Mas confesso que fiquei com a pulga atrás da orelha... como pode haver ausência de atuais poemas eróticos? Dificilmente... é preciso procurar.
Recordo-me que em 1992 foi publicada a obra "O amor natural", de Drummond. Este livro só foi publicado após a morte do poeta. Adivinhe por que? Por timidez do Drummond, que até então só havia mostrado o conteúdo do livro para amigos próximos. Eu não li esse livro ainda, apenas alguns dos poemas, e disso já concluí que Renata Cordeiro poderia ter muito bem incluído o nosso gauche. E podemos muito bem dizer que, mais do que eróticos, os poemas de Amor Natural são pornográficos.
Olha só:

A língua lambe

A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.

E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.



É preciso lembrar que o erotismo e a pornografia estão presentes em toda a obra de Drummond, como bem observou Antônio Houaiss, num estudo que fez das primeiras obras do poeta. Um exemplo é esse recorte do famosíssimo "Poema de sete faces"

"O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas
Para que tanta perna, meus Deus, pergunta o meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada."



Mas espere, deixa eu voltar para a Antologia!!!! Afinal, é esse o tema desse post.

A edição é uma graça. Algumas páginas dentro do livro são desenhos de nu feitos por Rodin (aquele do "Pensador"): uma beleza só.

É interessante colar aqui a diferenciação entre Pornografia e Erotismo, no prefácio de Cordeiro:

"A pornografia seria o relato, a narração ou a encenação de relações sexuais"
"O erotismo é tudo o que os humanos inventaram para transformam o coito reprodutor periódico dos animais numa prática infinitamente mais rica e variada..."

Bem, aí começa um problema. Então o poema do Drummond, "A língua lambe" não é pornográfico, é erótico? Então pornográfico são somente aqueles filmes de quinta categoria, cujo único conteúdo são cenas de sexo?

Difícil de acreditar. É claro que há poemas eróticos e há poemas pornográficos. É preciso um conceito mais amplo do que este. Ainda no prefácio, Cordeiro diz algo que é bem mais interessante:

"Tudo, no âmbito do erotismo é sugerido, ao passo que no da pornografia, é mostrado, é mostrado ou descrito"

Bem, basear-se nessa frase é melhor, é mais abstrato e menos limitador. Nesse sentido o erotismo é como se fosse a ironia: o dizer não dizendo. Aí, podemos dizer que o poema drummondiano é pornográfico. Por que não?

Voltando mais uma vez para o livro... ele contém poetas famosos como Fernando Pessoa, Goethe, Florbela Espanca, até desconhecidos para mim como Liberto Cruz, David Mourão-Ferreira, e Miki Rofu (qual a nacionalidade? :P), que é o autor do poema a seguir exposto:

DEPOIS DO BEIJO

"Adormeceste?"
"Não", dizes.

Flores em Maio
Florindo ao meio-dia

Na relva junto ao lago,
Ao sol,

"Podia fechar os olhos
e morrer aqui", dizes.


Bem, a maior parte dos poemas são românticos. E maior parte são eróticos, repletos de sugestões, bem longe dos poemas pornográficos de Drummond. É uma bela coleção de poemas.

=D

P.S: estou me lembrando... dia desses vi num sebo uma outra antologia (dessa vez bem mais volumosa) de poemas pornográficos (agora sim) e eróticos. Não me lembro se o organizador era o Glauco Mattoso ou a Ana Miranda (puzt, minha memória é uma M.). Só me lembro que nele constavam autores interessantes e sem papas na língua como o Gregório de Matos. Acho (preguiça de ir no google...) que é da Ana Miranda a seleção. Mas só acho! Na época tava sem dinheiro pra comprar. Ô pobreza!
Mas outra hora vou atrás desse livro!

E vou também atrás da poesia erótica e contemporânea da atualidade.
Posto nesse blog mais para a frente.


Abraço!

sábado, 22 de agosto de 2009

Evangelho segundo Judas (1:34-50)

Naquele tempo, Jesus estava numa festa de bodas de um certo comerciante da região. Os convivas cantavam e festejavam, regozijando-se com muito vinho. Mas eis que um dos anfitriões aproxima-se de Jesus.
Anfitrião (preocupado): Jesus, o que faço? O vinho está acabando e há muita festa pela frente!
Jesus (sereno): O que queres, amigo? Não faço milagres por minha vontade. O milagre não é espontâneo, depende da vontade divina de meu pai. Aconselho-o a solicitar a um de teus meninos que vá até a bodega mais próxima e compre mais garrafões para seguirmos com os festejos.
Anfitrião: Mas, senhor, hoje é Domingo. "Guardai domingos de festas como dias de guarda...". não te lembras? O único local aberto para comprar o vinho é o templo, com os vendilhões.
Jesus: Oh, é vero. Pois, então, compre o vinho no templo, oras.
Anfitrião: Mas, senhor, os vendilhões não querem palavra conosco depois daquele último "rapa". O senhor os expulsou do templo na semana passada, te lembras?
Jesus (impaciente): Ó, céus. Ok, vocês venceram. Tragam um tonel cheio de água. E rápido, antes que eu desista!

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Conselho do Tio Ernesto

"Não que me repugne o extenso: repugna-me o estendido, que não é o mesmo."

Frase de Ernesto Sábato, pensador e escritor argentino, em seu mais-que-interessante livro "Heteredoxia".
Um bom toque para todos que escrevem. Em especial para aqueles que escrevem muito, e dizem pouco.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

O início, o fim e o meio

Fim. Essa palavra está no imaginário de muitas pessoas. Foi ela que sempre encerrou os contos clássicos e, até hoje, encerra filmes, romances, histórias populares, etc. Na literatura, geralmente, essa palavra significa o fim da história, o desenlace das intrigas, o desfecho.
Por muito tempo, assim se comportaram as narrativas. Mas a Literatura é viva: sempre em constante movimento. Criam-se novas estruturas, novas linguagens, subvertem-se padrões, até então inabaláveis. O pensamento do homem está sempre se modificando, modernizando-se, e isso acarreta em inúmeras mudanças no modo de se pensar e fazer a arte. A Literatura é viva: eterna metamorfose. Hoje em dia, as boas histórias desafiam cada vez mais seus leitores. O tradicional esquema começo, meio e fim agora convive com muitos outros modelos narrativos. Os exemplos são fartos. Um dois mais oportunos é "História meio ao contrário", de Ana Maria Machado, cujo título já prepara o leitor para uma narrativa diferente, em que surge, logo no ínício, a clássica frase "(...) e foram felizes para sempre".
Exemplo muito interessante também é o filme "A História Sem Fim", de Wolfgang Petersen. Assim como o livro de Machado atiça o futuro leitor, esse filme traz um título que provoca o futuro espectador, afinal, como pode haver uma história sem fim? Há sim. Aliás, a história que esse filme conta é justamente sobre a Literatura: o casamento, o jogo entre o leitor e o livro. O filme todo é uma grande metáfora para essa relação forte, na qual um não existe sem o outro.
O protagonista é o menino Bastian que, convivendo num ambiente angustiante (um ambiente familiar frágil), se refugia na fantasia para poder, enfim, sonhar. E o instrumento para mergulhar no mundo fantástico é o livro. A história que o menino lê é a saga de outro jovem: Atreyu, menino corajoso que aceita a missão de salvar o seu reino (o reino de Fantasia) do terrível "nada" que o assola. Bastian vai, aos poucos, se identificando com Atreyu: compartilha suas angústias, seus medos, suas alegrias. Luta com ele, pensa com ele. Na verdade, Bastian é Atreyu (e isso é mostrado numa belíssima cena em que um é reflexo do outro). Nessa cena, é curioso o estranhamento que tal constatação causa: Bastian se recusa a acreditar que participa da história. Esse estranhamento é marca da Literatura: ela nos mostra as coisas por outro ângulo e isso, à primeira vista, assusta. Ela nos desnuda: joga luz sobre nossos desejos e medos mais íntimos. Por isso estranhamos e fugimos. Mas não demora muito, e voltamos ao texto, pois nele nos reconhecemos. E Bastian se reconhece na figura de Atreyu. A missão de Atreyu é uma tentativa de resgatar a fantasia que as pessoas insistem em deixar adormecida, permitindo que o "nada" invada o reino - o mundo - e destrua quase tudo. O nada, longe de ser algo concreto,
é bemo que sugere seu nome: a ausência de imaginação, da criatividade, do sonho, da esperança. E tudo isso Bastian vai percebendo ao correr as páginas do livro, que lê com cada vez mais vontade, até que chega o momento em que o menino se descobre dentro da história. Ele, o leitor, é quem tem o poder de salvar o reino da fantasia, basta acreditar nisso. E Bastian acredita.
Mais que uma metáfora da relação leitor/livro, o filme é um brinde à imaginação. A história de Bastian tem, sim, um desfecho. Mas não um fim. Trata-se de um ciclo. Atreyu/Bastian lutou, caminhou para chegar ao mesmo local de partida: a si próprio. Ao longo da missaão, Atreyu/Bastian percorre muitas milhas, mas a verdadeira caminhada foi dentro de sua própria consciência.
A fantasia precisa de liberdade. Como tantas outras boas história, esse filme vem nos lembrar que a literatura -e a arte em geral-, com seu espírito inquieto e questionador, é um veículo sem-igual para as pessoas embarcarem. Lembra-nos que a palavra é capaz de traduzir toda a nossa humanidade. A palavra comporta tudo: o mundo todo.

domingo, 16 de agosto de 2009

De repente, uma idéia idiota

Pilatos, se fosse vivo, não pegaria gripe suína. Porque ele sempre lavava as mãos.

=D

sábado, 15 de agosto de 2009

Os 100 melhores covers do rock

Essa é a lista feita pelo jornal The New York post que elegeu as 100 melhores regravações do rock. Essa lista é de 2007, mas como sou um blogueiro muito atualizado, só estou postando ela hoje.


1. "Stairway to heaven," Dolly Parton (Led Zeppelin)
2. "Baby got back," Jonathan Coulton (Sir Mix-A-Lot)
3. "Hazy shade of winter," the Bangles (Simon and Garfunkel)
4. "Nothing compares 2 U," Sinead O'Connor (Prince)
5. "Showroom dummies," Señor Coconut & His Orchestra (Kraftwerk)
6. "Smooth criminal," Alien Ant Farm (Michael Jackson)
7. "Personal Jesus," Johnny Cash (Depeche Mode)
8. "Against all odds," the Postal Service (Phil Collins)
9. "Easy (like sunday morning)," Faith No More (the Commodores)
10. "Tainted love," Soft Cell (Gloria Jones)
11. "Tainted love," Marilyn Manson (Gloria Jones)
12. "Under pressure," My Chemical Romance and the Used (Queen and David Bowie)
13. "Mah na mah na," Cake (Piero Umiliani)
14. "Wicked game," H.I.M. (Chris Isaak)
15. "Please, Ppease, please let me get what I want," Muse (the Smiths)
16. "Blue monday," Orgy (New Order)
17. "Satisfaction," Devo (the Rolling Stones)
18. "I want candy," Good Charlotte (the Strangeloves)
19. "How soon is now," Love Spit Love (the Smiths)
20. "Smells like teen spirit," Paul Anka (Nirvana)
21. "Walk," Avenged Sevenfold (Pantera)
22. "Let down," Radiodread (Radiohead)
23. "Crazy train," Bullet for My Valentine (Ozzy Osbourne)
24. "All along the watchtower," Jimi Hendrix (Bob Dylan)
25. "Helpless," k.d. lang (Neil Young)
26. "Louie Louie," the Kingsmen (Richard Berry)
27. "Alabama song , (Whiskey Bar)," The Doors (Weill/Brecht)
28. "Wonderwall," Ryan Adams (Oasis)
29. "Take me to the river," Talking Heads (Al Green)
30. "Walk this way," Run DMC (Aerosmith)
31. "Me and Bobby McGee," Janis Joplin (Kris Kristofferson)
32. "Gloria," Patti Smith (Van Morrison's Them)
33. "I fought the law," the Clash (Bobby Fuller Four)
34. "Star-spangled banner," Jimi Hendrix (Francis Scott Key)
35. "Only love can break your heart," Saint Etienne (Neil Young)
36. "Bring tha noize," Anthrax (Public Enemy)
37. "Satisfaction," Cat Power (Rolling Stones)
38. "You're no good," Linda Ronstadt (Betty Everett)
39. "Another brick in the wall Parts 1, 2, 3," Korn (Pink Floyd)
40. "Hallelujah," Jeff Buckley (Leonard Cohen)
41. "My way," Sid Vicious (Frank Sinatra)
42. "Always on my mind," Pet Shop Boys (Brenda Lee)
43. "Oh, Pretty woman," Van Halen (Roy Orbison)
44. ". . . Baby one more time," Travis (Britney Spears)
45. "Boys of summer," the Ataris (Don Henley)
46. "Eight miles high," Roxy Music (the Byrds)
47. "Superstar," Sonic Youth (the Carpenters)
48. "John the revelator," Depeche Mode (spiritual)
49. "My favorite things," John Coltrane (Mary Martin)
50. "If you leave," Nada Surf (OMD)
51. "Everybody's talking," Harry Nilsson (Fred Neil)
52. "Respect," Aretha Franklin (Otis Redding)
53. "Crazy Mary," Pearl Jam (Victoria Williams)
54. "Working class hero," Green Day (John Lennon)
55. "Comfortably numb," Scissor Sisters (Pink Floyd)
56. "Jolene," the White Stripes (Dolly Parton)
57. "Darling Nikki," Foo Fighters (Prince)
58. "Spider-Man," the Ramones (for 1967 TV cartoon series)
59. "I Will always love you," Whitney Houston (Dolly Parton)
60. "It was a very good year," William Shatner (Frank Sinatra)
61. "Sweet child o' mine," Luna (Guns N' Roses)
62. "Landslide," Dixie Chicks (Fleetwood Mac)
63. "King of the road," R.E.M. (Roger Miller)
64. "Nobody does it better," Radiohead (Carly Simon)
65. "(What's so funny 'bout) peace, love & understanding," Elvis Costello and the Attractions (Nick Lowe)
66. "Stop your sobbing," the Pretenders (the Kinks)
67. "I shall be released," The Band (Bob Dylan)
68 . "Chelsea hotel," Lloyd Cole (Leonard Cohen)
69. "Proud Mary," Ike and Tina Turner (Creedence Clearwater Revival)
70. "Just," Mark Ronson with Alex Greenwald (Radiohead)
71. "Jimmy loves MaryAnn," Josie Cotton (Looking Glass)
72. "Lucy in the sky with diamonds," Elton John (The Beatles)
73. "Venus," Bananarama (Shocking Blue)
74. "Jackie Blue," Smashing Pumpkins (Ozark Mountain Daredevils)
75. "Love hurts," Nazareth (the Everly Brothers)
76. "Blinded by the light," Manfred Mann's Earth Band (Bruce Springsteen)
77. "Baker street," Foo Fighters (Gerry Rafferty)
78 "Ain't that a shame," Cheap Trick (Fats Domino)
79. "By the time I get to Phoenix," Isaac Hayes (Glen Campbell)
80. "Dear Prudence," Siouxsie and the Banshees (The Beatles)
81. "Twist and shout," The Beatles (the Isley Brothers)
82. "Helter Skelter," U2 (The Beatles)
83. "Imagine," A Perfect Circle (John Lennon)
84. "Eleanor Rigby," Thrice (The Beatles)
85 "Live and let die," Guns N' Roses (Wings)
86. "With a little help from my friends," Joe Cocker (The Beatles)
87. "Hurt," Johnny Cash (Nine Inch Nails)
88. "Enjoy the silence," Lacuna Coil (Depeche Mode)
89. "I will survive" Cake (Gloria Gaynor)
90. "Rock el casbah," Rachid Taha (the Clash)
91. "Sex (I'm a)," Peaches (Berlin)
92. "Caldonia," Mos Def (Cab Calloway)
93. "Wasted," Camper Van Beethoven (Black Flag)
94. "Low rider," Drunken Boat (War)
95. "Turn, turn, turn," the Byrds (Pete Seeger)
96. "Don't give up," Willie Nelson & Sinead O'Connor (Peter Gabriel & Kate Bush)
97. "Glamorous life," the Fever (Sheila E.)
98. "Stairway to heaven," Rodrigo y Gabriela (Led Zeppelin)
99. "Since U been gone," Ted Leo (Kelly Clarkson)
100. "Star wars theme", Bill Murray (John Williams)

Essas listas, todos sabemos, sempre geram os tradicionais pitacos. Todo mundo faria ela diferente, é claro. Não posso comentar muito essa lista, pois dezenas desses covers eu nunca ouvi. Farei isso agora e, quem sabe, volto a comentar essa lista.

Mas peraí, deixa eu ver se tenho alguns pitacos aqui no bolso...


# Estou reparando que a versão de Ramones para "Spiderman" é citada. Outra deles que eu acho bem legal é "What a wonderful world", canção mais-que-clássica de Louis Armstrong. Não ousaram muito, mas verter para o punk a canção de Armstrong já é um grande feito. Cabia nessa lista.

# Bom de ver essas listas é fazer descobertas. Como nunca fui atrás, descobri algumas músicas que eu jurava que fossem originalmente de certas bandas, mas que na realidade são regravações. Love Hurts não é do Nazareth! God, isso é uma revelação. haha. E tem outras: sempre jurei que "I will always love you" fosse da W. Houston. Fiquei de cara, haha.

#O nº 61 foi dado para um cover de "Sweet Child O'Mine", do Guns, feita por Luna - que desconheço. Preciso ouvir. Mas desde já lembro que há uma regravação dessa música feita por Sílvia Machete, cantora brasileira de MPB recém surgida. Uma pegada bem mais leve, bossa. Interessante, eu diria.

#Cover perfeito é aquele que supera o original, ou dá um novo caminho para ele (nesse caso, uma releitura), como por exemplo a adição de novos ritmos ou então a troca total dele, como fizeram os Ramones com What a wonderful world.

#Bem, já que a lista é de 2007... atualizações são permitidas e necessárias. Pena que meu conhecimento musical não seja tão amplo. Não estou me recordando de covers recentes para entrar nessa lista. Apenas um: recentemente o Franz Ferdinand (aliás, preciso escrever sobre eles em breve) regravou "Call me", clássico da banda Blondie. Ficou muito bom: o Franz atualizou a música, atualizou o ritmo dando mais velocidade à musica (aquele ritmo meio lento de algumas dos anos 80, sabe?). E fizeram mantendo algumas características do Blondie, como aqueles "riffs" meio soturnos que costumam iniciar as músicas do Blondie. O Franz Ferdinand também fez um cover para "Womanizer", single recente da Britney Spears (sim, é isso mesmo). E pasmem: fiquei com saudade da Spears. Tem gente que gostou, mas pra mim nessa o Franz bobeou.

# Outra coisa que sempre vem à nossa mente quando lemos as listas, é lembrar das injustiças. Aqueles que foram esquecidos. Tem um cover que tinha que estar aqui, e nas primeiras posições! "I heard It through the grapevine", originalmente de Marvin Gaye, na regravação pelo Creedence. PÔ, é uma versão e tanto! Tão sensual quanto o original de Gaye e com um toque moderno. Essa é a síntese do bom cover! Bobearam nessa!

# E putz, como é que eu posto uma lista e não comento nada da primeira colocada, o cover da música original do Led? Putz, preciso ouvir e voltar aqui logo.

Bem, era isso.
Se eu lembrar de mais alguma coisa, volto aqui.

=D

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Imagem em ação

Hoje é o dia da TV, o veículo mais forte de comunicação que temos. Obviamente, a internet, que é bem mais nova - década de 90, tem um desempenho tecnólogico bem complexo e um futuro mais promissor. A televisão continua fazendo o que faz desde o início: transmitir imagens em ação, com som. Entretanto, a Tv é muito popular, e aí que reside sua força. Quase todas as casas possuem seu(s) aparelhos(s), sejam elas de famílias ricas ou pobres. É o veículo da passividade. A internet é muito dinâmica, e muito rica, pois oferce múltimplas leituras e, para isso, exije uma postura dos seus usuários: é preciso saber o que se quer, ir atrás, pesquisar. Já a televisão é mais limitada. Tomemos a TV aberta como exemplo: uma rede de canais com uma programação pré-estabelecida. O telespectador sabe o que lhe aguarda. A novela, o futebol ou as notícias: é simplesmente parar na frente do televisor e assistir.
Há quem diga que a TV idiotiza as pessoas. Ou então, que a internet em excesso idiotiza as pessoas. Isso é falso. Como todo veículo de comunicação - jornal, internet, revista - a televisão é um meio de divulgar informações e tantas outras funções. Há quem utilize a TV para fins pouco interessantes: programas sensacionalistas, propagandas que fogem do bom-senso. Mas nem por isso deve ser tratada como um meio negativo. Há muita coisa boa sendo transmitida pela Tv. A internet depende dos computadores, celulares e notebooks, máquinas frágeis se comparadas com os resistentes televisores. Antes de formar discursos preconceituosos sobre a Tv, precisamos lembrar que o importante é ter senso crítico, para filtrar o que o veículo TV tem a nos oferecer. E isso vale para todas as mídias: impressas e visuais. A TV fala pela linguagem da imagem, uma linguagem própria, bem diversa da linguagem oral. É da escritora infanto-juvenil Ana Maria Machado uma frase muito interessante: "Uma imagem fala mais do que mil palavras. Vejam essa frase. Você não consegue falar ela através de uma imagem". Ana Maria Machado faz referência a uma eterna polêmica, sobre a idéia de que a televisão tem tomado espaços de outras formas de expressão, e por conseguinte, promovendo a "idiotização" das pessoas. Dizem que ninguém mais lê: culpa da televisão. Não é isso. A linguagem visual, como bem disse a autora, não pode substituir a linguagem das palavras sempre. As imagens falam? Sim. O bom cinema, a boa pintura, a boa fotografia, a boa ilustração e o bom teatro estão aí para comprovar isso. No entanto, vemos que outra arte, a literatura, fazendo o uso somente de palavras, alcança resultados de expressão tão ricos quanto as artes que fazem uso de imagens. São linguagens diferentes, com objetivos comunicativos distintos. Entender isso é fundamental para criar um senso crítico perante as mídias, tornando-as nossas aliadas, e não "veículos de manipulação", como costuma dizer.
Vejo que me desvio do objetivo principal. Não falei muito dos defeitos da TV, nem de suas qualidades. Mas tudo bem, basta sabermos que dificilmente a sociedade (ocidental, principalmente) estaria no ritmo em que hoje está, se não tivesse contado nessas últimas décadas com as imagens e sons dos televisores.
Um parabéns para a TV.

=D

domingo, 9 de agosto de 2009

Pressa pressa

Pressa Pressa, vamos nessa. Depressa depressa, não me estressa. Vai, vai. Café com pão café com pão. Eu preciso ser rápido. É meia-noite. Já estou dentro da segunda-feira. Ó, meu Deus, como o tempo passa. Preciso ser rápido; acabar esse texto. Preciso dormir. Antes, preciso escovar os dentes. Tomar banho. Preciso amar. Mas calma. Vou devagar. Devagar como um louco. Sereno como um assassino puro.

Vida. O que temos feito dela. O que temos feito com ela. O mundo tem girado cada vez mais rápido. Time is money. Hurry is money. Nunca o tempo foi tão contado. E nunca foi tão perdido. Vive-se o amanhã, o dia depois de amanhã. O mês que vem. Financiei minha vida em suaves prestações. Juro? É especial: um pouco de morte vai se somando.
Foi-se a espera. Foi-se a paciência. Jantamos o porvir todas as noites. Jogamos fora todo o nosso hoje. O passado é sempre museu.

A poesia resiste. O erotismo cedeu. Pornografia é o negócio. Mais rápido, depressa, sem enrolação. Time is money. Sex is money. Pra que tirar? já venha sem! Pra que pensar: aja, faça. A noite resiste, O dia insiste. Troca-troca. O dia resiste, a noite insiste. Insônia insônia: dia e noite se comendo.

Insônia, cada vez mais funda. Acorde, levante. Pense. Não pense. O que você deixará para seus netos? Você deixará netos? Você se deixará?. Previdência. Ciência: tudo novo de novo. Pense, repense. Aja, reaja. Corra corra. Morra morra. Tempo, tempo, mas que porra.

Calendário. Despertador. Hora do remédio. Da novela. De lavar a louça. Ano que vem, vou comprar um carro. Vou ter um filho. Hora para escrever. Hora para estudar. Acorde-me às sete. Não se atrase. Em ponto. Daqui a dois anos, serei famoso. Vou ter um carro. Comprar um filho.

Crônometro. Tabelinha. Ampulheta. Sol. Vamos nessa, entre no ritmo. Cada vez mais rápido. Mais rápido. Dane-se a calma, meu chefe é exigente. Esquecer a calma do louco. Abandonar a serenidade: mato e pronto. Rápido, barulhento. Ser normal é correr, ter pressa. Somos felizes. Sim, somos. Formigas loucas, baratas tontas. Vamos vivendo, levando, correndo.

A vida é o passar do tempo: passatempo. A vida no fio. Na fila. Vamos, palavras, vamos que tenho pressa. Quero o amanhã, queremos o depois de amanhã. Infinito mais um. A morte é o brinde. Não tenho tempo. Corte linhas desse texto. Acelere mais fundo. Vai vai, time is time. Amanhã amanhecerei. Mais rápido. Fast-food. Fale mais rápido. Case mais rápido. Cadê meu café? Amanhã faço bodas de prata. Sim, eu serei famoso. Depressa, depressa. Três minutos de acréscimo. Últimos lances. O banco fecha, sempre, às quatro. De quatro. Tire logo essa saia. Follow me. Follow me on twitter. De novo. Mais rápido. Rapidshare. Rapidinha. Vamos, mulher. Seja breve, tenho pressa. Precoce. Ela já tem quinze anos. Estamos em 1999. Cinco, quatro três... três, sim, eu disse três. Três pães, menina! Ande logo! Tenho pressa, meu chefe é exigente. Vamos lá mundo, em sequencia, perfilados, café com pão café com pão. Pressa pressa, vamos nessa.

Pressa pressa eu tenho pressa

sábado, 8 de agosto de 2009

Duas vozes



Uma nasceu no estado de Texas, EUA, em 1943; a outra é brasileira, nascida em 1945
Falo de duas cantoras que ficaram gravadas na história da música: Elis Regina e Janis Joplin. Apesar de trabalharem com estilos bem diferentes, há uma grande proximidade entre elas: vozes fortes, marcantes que deram interpretações profundas, intimistas para suas músicas. O que difere essas duas cantoras das demais é a carga sentimental traspareceram em suas canções.

Janis Joplin era muito ligado ao blues, que somado ao folk, formou seu estilo inigualável. São clássicas as suas canções "Mercebes-Benz", "Cry Baby" e "Piece of my Heart". Mas talvez seja a sua versão para um clássico do blues, "Summertime" (letra de George Gershwin), o melhor exemplo para comprovar a genialidade de Janis. Foi genial pois não foi somente voz. Janis soube usá-la, carregando-a de força sentimental, como uma atriz, ou ainda, como se vivesse tudo aquilo que cantava. E talvez tenha vivido. As letras que Janis cantava (algumas suas, outras não) são, em geral, melancólicas, falam da dor, da perda e do tempo. Refletem, assim, a mente conturbada dessa cantora, que faleceu em 1970, aos 27 anos, por complicações geradas pelos vícios em drogas e alcool.
Elis Regina, a Pimentinha, é considerada por muitos - e por mim também (Gal e Bethânia vêm depois, e que se dane) - a maior cantora brasileira. Como Janis, teve uma morte trágica e prematura. Aos 36 anos, morria por overdose. E como Janis, carregou suas canções - outra atriz da música - com uma força de sentimentos incrível.
A trajetória das duas foram muito diferentes, pois os seus estilos eram bem distintos, além de cantarem em países diferentes que, obviamente, possuiam realidades diferentes. Janis produziu somente 4 álbuns, trocando algumas vezes a banda que a acompanhava. Prova da grandeza de Janis, é o fato de que a maioria das pessoas não se recorda que bandas (a última delas doi "Full Tilt Boogie", com quem ela fez o álbun Pearl (1970) lançado postumamente) acompanhavam Janis, e esquecem que nem sempre ela fez carreira-solo, pois o fez somente por certo tempo. Cultivando uma atitude rebelde, Joplin se vestia como os poetas da geração beat, e vivia desregradamente, o que culminaria na sua morte.


Arrastão, Fascinação, Maria Maria, Romaria, O Bêbado e a Equilibrista, Aquarela do Brasil, Águas de março, Retrato em preto e branco, Alô, Alô Marciano, Canção da América, Travessia, Saudosa maloca, Tiro ao Álvaro, Iracema, Aquele Abraço, Como Nossos Pais, As curvas da estrada de Santos. Todas essas, músicas gravadas por Elis. Todas elas sucessos. Como se depreende por essa lista, Elis Regina gravou canções de diferentes compositores e também de diferentes estilos: "Águas de Março" e "Arrastão" são exemplos de parcerias com ícones da Bossa Nova, como Tom Jobim, Edu Lobo e Vinícius de Moraes. Há ainda gravações de Erasmo e Roberto Carlos, já na música romântica, com "As curvas da estrada de Santos". Ou ainda a pegada "rock" que Elis deu para "Velha Roupa Colorida", de Belchior. Há ainda Adoniram Barbosa, Miltom Nascimento e tantos outros: Elis foi uma cantora múltipla. Sondou muitos estilos e foi feliz em todos, seja ele o rock da Jovem Guarda, o Samba ou a Bossa Nova. Elis começou no rádio e não tardou a se tornar a queridinha dos compositores com seu vozeirão. Acho a voz de Elis Regina tão maravilhosa, que não consigo mais ouvir as versões originais de certas músicas que Elis regravou. Exemplo: Como nossos pais, de Belchior. Belchior é um bom cantor. Mas essa música parece ter sido feita para a voz de Elis. Não só essa. Todas, quem sabe.

Se Janis Joplin fazia o estilo Hippie, Elis Regina não ficava por menos quando o assunto era descontentamento com a realidade: tinha opiniões fortes e sempre se mostrou contra a ditadura militar, principalmente ao cantar suas canções.
Elis, que começou no rádio, logo se tornou uma estrela, ganhando festivais de música e participando de especiais para a televisão. Janis, por seu estilo bem diverso, tinha outro rumo. Com uma carreira conturbada, mesmo com shows prejudicados pelo uso constante de drogas, fez algumas temporadas e participou de festivais, inclusive o histórico festival de Woodstock, em 1969, um ano antes de sua morte.

Janis e Elis: duas vozes marcantes, inigualáveis, que se calaram bem mais cedo do que queríamos.

sábado, 1 de agosto de 2009

Não aos textos apócrifos!

Apócrifo é o texto atribuído¹ a uma pessoa que não o escreveu, ou seja, uma farsa. Geralmente os textos falsos são atribuídos a grandes autores, na esperança de que consiga-se afirmar um texto somente pelo nome de quem o escreveu, e não pela qualidade desses textos. Aliás, a qualidade desses milhares de textos apócrifos que circulam pela internet é, em suma, horrível. Lixo sobre lixo. E fazem de tudo: ora adulteram textos de autores conhecidos, editando suas linhas ou acrescentando outras; ora criam um texto totalmente novo e "botam na conta" do autor famoso. Quanto mais famoso um autor, mais peso (e autoridade) tem para afirmar um texto, assim autores que mais com sofrem esse crime² são os mais conhecidos. E tem de tudo: desde poetas como Fernando Pessoa e Mário Quintana, até cronistas como Arnaldo Jabor e Luís Fernando Veríssimo.
O pior de tudo é que atribuir esses textos aos autores famosos, na esperança de afirmá-los, é algo que funciona! As pessoas passam e repassam e-mail contendo esses textos e não se preocupam em checar se o texto que leem e enviam foram de fato, escritos pelo autor em questão. Eis um exemplo (tirado de minha caixa de e-mail):


'A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê, perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê, já passaram-se 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado.
Se me fosse dado, um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando, pelo caminho, a casca dourada e inútil das horas.
Desta forma, eu digo: Não deixe de fazer algo que gosta devido à falta de tempo, a única falta que terá, será desse tempo que infelizmente não voltará mais.'


Mário Quintana (apócrifo)

POIS BEM... Vamos ao original...eis aí, extraído do livro "Esconderijos do Tempo", publicado pela primeira vez em 1980, pela editora L&PM:

Seiscentos e Sessenta e Seis

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas: há tempo...
Quando se vê, já é sexta-feira...
Quando se vê, passaram 60 anos...
Agora, é tarde demais para ser reprovado...
E se me dessem - um dia - uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre, sempre em frente...

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.

COMO SE PODE NOTAR, o poema teve versos alterados, resultando numa aberração.
O primeiro verso já surge com problemas, que se à primeira vista parecem leves, são graves erros se lembrarmos o quão delicada é a escolha, na poesia, das palavras (e Mário é um poeta maravilhoso que usou-as como poucos). Na poesia uma simples troca pode mudar todo o rumo do texto e até arruiná-lo.
Nesse poema, Quintana fala da passagem do tempo com melancolia, pois fala do quanto nos apegamos à contagem das horas, e não vemos o tempo passar, ou seja, vivemos pouco. Ao final, diz que se tivesse outra chance, outra vida, faria diferente pois não daria ouvidos ao relógio, simplesmente viveria.
Pois bem...nesse primeiro verso adulterado, tem-se " A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.", enquanto no original tem-se "(...)é uns deveres que nós trouxemos (...) em casa." O responsável pela adulteração conseguiu a façanha de, já no primeiro verso, acabar como o texto de Quintana. A escolha de Quintana por um artigo indefinido (uns) sugere imprecisão, incerteza. Enquanto isso, a versão adulterada traz "o dever", com um artigo definido, como se fosse muito clara a ordem e o significado da vida. Ora, se fosse tão clara e certa a vida, o poeta não iria se lamentar de não tê-la vivido tanto como queria! Além disso, o adulterador pôs no singular (dever) o que no original está no plural (deveres), em mais uma clara adulteração.
E os crimes continuam... o verso "Quando se vê, passaram 60 anos..." é trocado de posição e adulterado para "Quando se vê, já passaram-se 50 anos!" Primeiramente, ao trocar para o 50 anos, quebra-se o jogo que Mário propunha com o título Seiscentos e sessenta e seis (o e-mail adulterado nem traz o título), com o uso das marcações de tempo "60 anos", "sexta-feira" e "seis horas". Outro pecado capital está em incluir um ponto de exclamaçõa ao final do verso. Essa efusão sem propósito tira o ritmo do texto, que no original é de desencantamento ante a passagem das horas. Nesse caso, as reticências usadas por Quintana são muito mais enriquecedoras ao texto.
Eu não vou ficar relacionando falta por falta cometida pelo adulterador (nunca saberemos a identidade dessa pessoa, ou até dessas pessoas, já que à medida que são repassados, alguém altera mais um pouco...). Só vou dizer também que no acréscimo (impróprio, obviamente) das duas últimas linhas - "Desta forma, eu digo: Não deixe de fazer algo que gosta devido à falta de tempo, a única falta que terá, será desse tempo que infelizmente não voltará mais." - está, me parece, a chave para explicar a multiplicação dos textos apócrifos. A pessoa que inclui uma frase seu num texto famoso e o repassa está direta ou indiretamente alimentando o desejo de ter um pensamento seu (uma "criação" sua) com autoridade, para sentir beleza e orgulho de algo que se criou. Aquelas duas últimas linhas transformam o poema de Quintana numa fábula medonha, com uma mensagem óbvia, já que Quintana diz isso e de uma forma bem mais interessante através da sugestão, sem cair no óbvio, deixando ao leitor a missão de extrair do texto as lições sobre o tempo.
Em alguns casos, como crônicas totalmente recriadas-sem uma linha verdadeira sequer- atribuídas a Veríssimo encontraremos pessoas frustradas que se apoiam no bom escritor para disseminar seus testículos, ops, textos. Além disso, esse fenômeno é reflexo do pouco senso crítico dos leitores em geral, que se contentam em ler textos de qualidade mais-que-duvidosa.

Se é triste constatar que os textos apócrifos são amplamente divulgados, mais triste é deduzir disso que as pessoas leem pouco. Se leem pouco, também adquirem pouco senso crítico. Assim, aceitam esses textos com subserviência, e mais do que isso, com prazer (principalmente por que se reconhecem nas mensagens de auto-ajuda frequentes nesses textos). É desalentador.
Por isso, peço a todos que me leem (apesar de saber que posso contar o número dos me leitores numa mão só) que digam não aos textos apócrifos! Que briguem com quem os enviou (responda o e-mail!), pois o apócrifo é a destruição de uma obra de arte.
O conselho é checar. Não repasse e-mails se você não tem certeza da correta procedência do texto, principalmente se o autor em questão é reconhecido.

Até!

NOTAS INÚTEIS:

¹ Lembrando que isso se aplica para qualquer obra, não necessariamente literária. Músicas, por exemplo, são alvos constantes. Exemplo que me vem a memória é a música (música?) "Vampiro Doidão", letra pobre e asquerosa costumeiramente atribuída a Raul Seixas (My God!), genial compositor brasileiro, que nunca pariu um lixo desses.

² A palavra "crime" vai aqui tanto no sentido formal (é ilegal fazer uso dos direitos autorais sem a permissão do autor, exceto se as obras dele já estiverem em domínio público), como também vai no sentido informal, já que adulterar uma obra de autores como Fernando Pessoa é um crime, um pecado, um absurdo sem tamanho.