domingo, 23 de agosto de 2009

Tens sede?

Há pouco tempo, adquiri num sebo aqui de Joinville uma coletânea de poesias eróticas intitulada "Erotismo e Sensualidade em versos". O livro pretende ser uma antologia - organizada por Renata Cordeiro - de poesias eróticas da "antiguidade até nossos dias". Há uma ressalva a ser feita: a antologia traz sim muitos poemas antigos do Egito, um trecho dos "Cânticos dos cânticos" da Bíblia e outros poemas que sequer possuem datas precisas de seu feitio; porém apresenta poucos poemas da atualidade, e para em autores famosos como Fernando Pessoa, Ana Hatherly e António Leitão (o último poema é de Layla (1973), autora que desconheço. Ou seja, quem lê se pergunta: cadê os poemas dos nossos dias? Além de Layla, não há autores produzindo poesia erótica?
Mas como disse, é apenas uma ressalvas. Deixemos de lado o capricho deste leitor chato. O que importa é que se tomarmos tal livro como uma antologia da poesia erótica feita em todo o mundo, desde as primeiras civilizaçãoes, iremos nos maravilhar.
Um dos poemas, dos mais curtos (e antigos):

"Tens sede?
Toma meu seio,
Exuberante."

-Poema de Amor do Egito Antigo


Renata Cordeiro, no prefácio do livro (o livro foi editado em 2005), chama a atenção para "a atual ausência de pornógrafos talentosos", o que responderia minhas perguntas iniciais. Mas confesso que fiquei com a pulga atrás da orelha... como pode haver ausência de atuais poemas eróticos? Dificilmente... é preciso procurar.
Recordo-me que em 1992 foi publicada a obra "O amor natural", de Drummond. Este livro só foi publicado após a morte do poeta. Adivinhe por que? Por timidez do Drummond, que até então só havia mostrado o conteúdo do livro para amigos próximos. Eu não li esse livro ainda, apenas alguns dos poemas, e disso já concluí que Renata Cordeiro poderia ter muito bem incluído o nosso gauche. E podemos muito bem dizer que, mais do que eróticos, os poemas de Amor Natural são pornográficos.
Olha só:

A língua lambe

A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.

E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.



É preciso lembrar que o erotismo e a pornografia estão presentes em toda a obra de Drummond, como bem observou Antônio Houaiss, num estudo que fez das primeiras obras do poeta. Um exemplo é esse recorte do famosíssimo "Poema de sete faces"

"O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas
Para que tanta perna, meus Deus, pergunta o meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada."



Mas espere, deixa eu voltar para a Antologia!!!! Afinal, é esse o tema desse post.

A edição é uma graça. Algumas páginas dentro do livro são desenhos de nu feitos por Rodin (aquele do "Pensador"): uma beleza só.

É interessante colar aqui a diferenciação entre Pornografia e Erotismo, no prefácio de Cordeiro:

"A pornografia seria o relato, a narração ou a encenação de relações sexuais"
"O erotismo é tudo o que os humanos inventaram para transformam o coito reprodutor periódico dos animais numa prática infinitamente mais rica e variada..."

Bem, aí começa um problema. Então o poema do Drummond, "A língua lambe" não é pornográfico, é erótico? Então pornográfico são somente aqueles filmes de quinta categoria, cujo único conteúdo são cenas de sexo?

Difícil de acreditar. É claro que há poemas eróticos e há poemas pornográficos. É preciso um conceito mais amplo do que este. Ainda no prefácio, Cordeiro diz algo que é bem mais interessante:

"Tudo, no âmbito do erotismo é sugerido, ao passo que no da pornografia, é mostrado, é mostrado ou descrito"

Bem, basear-se nessa frase é melhor, é mais abstrato e menos limitador. Nesse sentido o erotismo é como se fosse a ironia: o dizer não dizendo. Aí, podemos dizer que o poema drummondiano é pornográfico. Por que não?

Voltando mais uma vez para o livro... ele contém poetas famosos como Fernando Pessoa, Goethe, Florbela Espanca, até desconhecidos para mim como Liberto Cruz, David Mourão-Ferreira, e Miki Rofu (qual a nacionalidade? :P), que é o autor do poema a seguir exposto:

DEPOIS DO BEIJO

"Adormeceste?"
"Não", dizes.

Flores em Maio
Florindo ao meio-dia

Na relva junto ao lago,
Ao sol,

"Podia fechar os olhos
e morrer aqui", dizes.


Bem, a maior parte dos poemas são românticos. E maior parte são eróticos, repletos de sugestões, bem longe dos poemas pornográficos de Drummond. É uma bela coleção de poemas.

=D

P.S: estou me lembrando... dia desses vi num sebo uma outra antologia (dessa vez bem mais volumosa) de poemas pornográficos (agora sim) e eróticos. Não me lembro se o organizador era o Glauco Mattoso ou a Ana Miranda (puzt, minha memória é uma M.). Só me lembro que nele constavam autores interessantes e sem papas na língua como o Gregório de Matos. Acho (preguiça de ir no google...) que é da Ana Miranda a seleção. Mas só acho! Na época tava sem dinheiro pra comprar. Ô pobreza!
Mas outra hora vou atrás desse livro!

E vou também atrás da poesia erótica e contemporânea da atualidade.
Posto nesse blog mais para a frente.


Abraço!

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