domingo, 23 de agosto de 2009

Read or not read? That is the question

Seguindo à risca um costume meu, fui esse mês à livraria gastar boa parte do meu dinheiro em livros. Gosto de ler. E leio muito. Pra mim, a leitura serve para várias coisas. Muitas coisas. A mais famosa função é adquirir conhecimentos. Mas o que aprendo, por exemplo, lendo um poema-piada de Oswald? Desculpem-me a sinceridade, mas a resposta é nada. Estou falando de literatura, e quando o assunto é esse, a última coisa que penso é adquirir conhecimentos. Então por que ler? Como sou malandro e não sei responder isso, usarei uma velha técnica que consiste em desviar o foco do papo com outra questão. Por que afinal, meus caros leitores inexistentes, o que é leitura? Você sabe?
Acho que esse questionamento estava no meu inconsciente na semana passada, quando entrei na livraria e comprei "Como falar de livros que não lemos", do psicanalista e professor francês Pierre Bayard. Pelo título, depreende-se que se trata de um novo manual para vagabundos que não gostam de ler...correto? Errado. É sim um livro que demonstra como falar de livros que não lemos, ou que folheamos, ou que lemos e esquecemos. Mas, acima de tudo, é um livro que pretende provar que o não-ler não é sinal de preguiça ou falta de cultura, muito pelo contrário, para Bayard há inúmeras vantagens em não ler um livro em sua totalidade.
Eu sei, você está curioso e quer que eu conte tudinho sobre essas técnicas. Até conto, mas aviso: farei isso ao modo Bayard, ou seja, seguindo os princípios que o próprio autor expôs em sua obra. Assim, decidi escrever esse texto logo que folheei as suas páginas. Para ser sincero, li linearmente todo o primeiro capítulo, e boa parte do segundo. Foi o suficiente pra depreender as idéias centrais de Bayard que, tenho certeza, permearão todo o restante do livro. Sendo assim, poderia deixar como está: li poucas páginas e já disponho de todo o material necessário para emitir um juízo a respeito do livro. Não farei isso, pois Bayard é um ótimo escritor. Seu texto é coerente muito instigante, por isso procurarei ler mais trechos de sua obra. A leitura de seu livro é fácil, o que não quer dizer que não seja rica: a obra está cheia de alusões e paralelos interessantíssimos. (E detalhe, alguns deles feitos a partir de obras que Bayard nem sequer leu.)
O título de meu texto é uma provocação ao modo como a sociedade em geral trata o ato de ler. Pierre denuncia a ideologia da sociedade que predomina em todos os locais: desde o meio acadêmico, até uma descontraída discussão entre amigos leitores. Hoje, a leitura é vista como algo obrigatório. Há listas e listas de "livros essenciais". Aquele que lê um livro do modo tradicional, ou seja, de forma linear e aprofundada é visto como intelectual, como "entendido". Bayard questiona essa idéia. Para ele, é muito mais interessante ter-se uma visão de conjunto, ou seja, uma visão ampla que capacite alguém a situar um livro dentro de um conjunto. Nesse sentido, o mais interessante não é dominar profundamente uma única obra, pois ao fazer isso, está se ignorando tantas outras obras. O importante, pois, é identificar na obra uma idéia que possibilite compreender sua importância e sua originalidade em meio de tantos outros livros. O que autor diz é que é possível folhear livros, ler excertos, ou até ficar ouvindo o que outros dizem sobre certo livro que você não leu, e disso depreender a essência fundamental do texto para fazer juízos de valor, associações com outras obras, e situá-las em diversos contextos, sejam eles de cunhos editoriais, literários, filosóficos, políticos, econômicos, históricos e etc.
Essa é a visão de Pierre Bayard. O que penso disso tudo? Bem, a leitura desse livro foi muito interessante, pois me identifiquei com muitos dos preceitos do escritor francês. Costumo ler profundamente muitas obras literárias¹. Na visão de Bayard isso é um pouco perigoso, à medida que nos dedicamos demais às estruturas da obra e esquecemos o exterior dela, que é talvez o mais importante. Mas eu também pratico a não-leitura: há muitos livros que folheio, ou ouço falar, e que utilizo em meus artigos ou em minhas explanações no cotidiano. Tudo isso sem cara-de-pau, mas sim com a consciência de que isso é mais que possível: é recomendado. Lembrando que não-leitura não significa não abrir um livro. Podemos folhear, ler trechos aleatoriamente, e ouvir outros falarem da obra visada. Dessas formas, não estamos lendo a obra, entretanto, estamos aprendendo (e muito!). O que Bayard traça em seu livro, do começo ao fim, é a forma com que devemos fazer isso. De um modo sábio, e não vagabundo e aproveitador como pensam muitos que se deparam com o título duvidoso do livro de Bayard. Mas como já disse, o livro é muito interessante, diria até maravilhoso, se pensar que ajuda a reformar o papel da leitura na aquisição e manutenção da cultura, e principalmente, ajuda a reformar a idéia de leitura.
Enfim, quero encerrar esse texto retornando ao título desse post. A frase acima é uma questionamento que alude à uma questão erigida por Bayard: há muito mais entre o ato de não ler um livro, e o ato de lê-lo de forma tradicional, profunda e linearmente. Muito mais. Talvez prova disso seja esse modesto e safado título, que brinca com o livro de Bayard, ao mesmo tempo que recorda uma famosa frase constante no manifesto antropofágico de autoria de Oswald de Andrade ("Tupi or not tupi. That is the question"), frase esta que nada mais é, do que uma alusão à famosa frase dita por Hamlet, segurando a caveira de Iorick², na famosa peça de Shakespeare.
O Detalhe: li só um capítulo de Bayard, li o manifesto antropofágico há muito tempo e já me esqueci dele, e nunca, nunca li Hamlet.
Visse, minha nega? Talvez o nosso amigo Bayard tenha razão...

NOTAS INÚTEIS:

¹Se pensarmos que Pierre Bayard estudou muito para ser professor universitário de literatura francesa, é óbvio que o jovem estudante Bayard leu muitas obras da forma tradicional. E "Mme. Bovary", então?

² Acabo de me lembrar de onde sei que o nome da caveira antológica de Hamlet é Iorick. A famosa cena, com o nome da caveira, é citado no ótimo romance "Encontro Marcado", de Fernando Sabino, que li alguns anos atrás, e do qual pouco lembro. Hehehe.

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