quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

algumas palavras

na fila do banco, lá está eu com meu livrinho na mão. No meio de "Um copo de cólera", do Raduan Nassar, num trecho em que os dois personagens principais estão no auge de uma discussão acaloradíssima, recheada de palavrões e tals, sou interrompido por um senhor com olhar bonachão:

-- você, rapaz, que gosta de ler..

Fecho o livro no ato e vejo o que ele me oferece. Trata-se de uma caixinha pequena, com alguns papéis coloridos dentro. Ele pede para que eu retire um e leia.

"Porque toda a lei se cumpre numa só palavra, nesta: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo" (Gl. 5.14)

Li e devolvi a folhinha para o senhor, que sorriu e continuou a abordar as demais pessoas da fila. Acho a Bíblia um livraço. Li algumas passagens dela, em diversos momentos. São muitos os escritores que já manifestaram a grandeza dela. Exemplo? Olha só, palavras de Dalton Trevisan, extraídas da orelha de um livro de contos dele que tenho aqui em casa (na orelha, ele fala de si mesmo, uma espécie de auto-biografia. ótimo!)

"Bíblia. O único livro que a gente não pode deixar de ler. Nele você encontra Homero, Mil e uma Noites, Fanny Hill, soneto de Camões, grito epilético de Dostoiévski, barata leprosa de Kafka, anúncio de 914, elegia de Rilke, etc"

Para rebater isso, posto um trecho de uma entrevista com Oswald de Andrade em 1954. Ei-lo:

– "Quais os livros essenciais à humanidade"?
Oswald: "Não são, nem a Bíblia, nem o Alcorão, nem Margarida La Rocque."


Apesar de ser um fã do Oswald, dessa vez estou com Trevisan. É um livro riquíssimo que inspirou e ainda inspiro a safra de escritores. É um livro contraditório. partes ótimas, partes execráveis. Olha só, que coisa mais linda esse verso que o senhor mostrou! Intriga-me o fato de se referir à máxima do amor ao próximo como uma "única palavra". Intrigante, que nos faz pensar, como faz toda a boa poesia.
Pensei tudo isso na fila do banco. Por conta de um simples senhor com sua caixinha de versos bíblicos, que mostrava-os pelo simples prazer de levar tais palavras além.
Depois dizem que a vida não é bonita.

PS: veja como a bíblia inspira um ocioso sem veia literária, mas com varizes literárias.... como disse alguem ontem no twiter. (vc que retwittou, ítalo! ha-ha)
Eis aí minha brincadeira, um trecho do Evangelho Segundo Judas.

5 comentários:

  1. A bíblia realmente é um livro intrigante, mais intrigante foi vc ter parado para dar atenção ao próximo, e a frase que ganhou dele foi justamente para ama-lo. Particularmente não gosto da bíblia, penso que atraves dela foi criada uma imagem errada de Deus. Depois de velho peguei para lê-la de novo(algumas partes), ver como eu a percebia com olhos de adulto. Li Genesis e me decepcionei, esperava algo mais completo para explicar a criação e o funionamento do universo, qualquer manual de um aparelho eletronico é mais rico em detalhes. Imagino a Aple fazendo o manual do Ipod inspirado na bíblia: "Faça-se uma entrada USB, então o criador viu e disse que aquilo era bom"...Ea parte do como funciona o USB? Rs.
    Abraço!

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  2. éé, retwitei mesmo =D

    eu li o "copo de cólera" há uns meses.

    gostei pra cacete.

    fiz o texto sobre, e o perdi. aí deu raiva e não escrevi mais. rsrs...

    gostei deste teu escrito aqui!
    na época que eu trabalhava como office-boy também era abordado nos bancos da vida, com livrinho na mão =D

    abração.

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  3. legal esse teu relato, a Biblia é muito interessante, recomendo a leitura do livro de Jeremias, talvez o melhor personagem de toda a Bíblia, sujeito revoltado, incômodo e incomodado... Outro que usou e abusou da Bíblia foi o gênio Jorge de Lima...

    abraços

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  4. seguirei a dica! Le,brei agora de Jeremias-sem-chorar, que é do Cassiano Ricardo. Valeuuu

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