quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Do dilema das traduções

Há pouco tempo, postei aqui uma lista de dez começos inesquecíveis (não diria "melhores", pois meus gostos são outros). Pois bem, um desses começos é do romance Lolita, de Vladimir Nabokov que conta a trágica história da paixão de um homem maduro por uma menina, muito mais nova que ele.

De fato, o começo de Lolita mereceu seu espaço naquela lista. posto aqui para relembrar:

"Lolita, luz da minha vida, fogo da minha virilidade"

Ocorre que, empolgado pelo início bonito, fui atrás do livro para, quem sabe, lê-lo.
Mas eis que abri no primeiro capítulo e me deparo com o seguinte início:

"Lolita, luz da minha vida, fogo de meu lombo"

opa, peraí! É lombo ou virilidade?
A saída para isso seria checar o original, mas como o meu conhecimento em língua estrangeira é medonho (não domino nenhuma outra) é óbvio que isso seria inútil. Bem, resta confiar nas fontes:

A primeira frase, retirei daquela postagem do blog (Bloguefilmes, algo assim). Lembro-me que na postagem original, não havia citação de onde foram retiradas as linhas. Assim, fica difícil saber se foi extraído de um livro, traduzido por alguém competente, ou se o texto foi vertido por um zé-tradutor qualquer.
Quanto ao segundo início de Lolita, retirei-o de uma edição da década de 80, pela Abril Cultural (é de uma coleção de romances bem conhecida do público). A tradução é de Brenno Silveira - desconheço. Mas, enfim, pelo menos tem-se uma editora, um tradutor e certamente um revisor.

Mas fica a dúvida: lombo, virilidade ou os dois servem?

A versão mais confiável, a segunda, é a mais estranha. "Fogo de meu lombo"? Isso não é tão sensual quanto "fogo de minha virilidade". A palavra lombo, no português, remete-nos primeiramente ou à surra (lombo quente, haha) ou a um bom pedaço de carne súina. Mas nada disso importa se não investigarmos a intenção do autor. E como não entendo neca de pitibiriba de nada, chego a esse dilema das traduções.

Uma tradução, por mais cuidadosa que for, nunca será versão fiel do original.
Toda tradução é um ato de criação. Obviamente não se compara o processo de elaboração de um poema ou romance com o processo de tradução do mesmo. Criar é bem mais complexo. Entretanto traduzir é, sim, um ato de criação, pois para adaptarmos certo texto para outra língua, seguindo a observação tantos e tantos quesitos (os significados, os jogos de palavras, o ritmo, etc..) será quase sempre preciso modificar o texto. Adaptar/traduzir é recriar um texto. E uma simples alteração que seja, já é uma grande ação.

Resumindo: ler traduções só é válido se tivermos em mente o real valor delas e a sua posição em relação ao original. (Bom mesmo é ler os autores de língua portuguesa, e aproveitar toda a riqueza da língua)

PS: Ainda sobre isso, dia desses eu conversava com o Juliano sobre a difícil tarefa de traduzir. O problemas começam na tradução de uma única palavra.

Por exemplo: digamos que no meio de um dado poema, conta a palavra Nobody.
A tradução mais óbvia, quase instantânea que se faz é para "ninguém"

Entretanto, é claro que no original - nobody - há uma outra palavra dentro dela (body, que significa "corpo") e que forma seu significado: nenhum corpo, nenhuma pessoa.
E a tradução para o português... ninguém? Contempla toda essa significação? Traz essa ligação com a palavra "corpo"? (que pode apontar para inúmeros outros caminhos de leitura do texto, como por ewxemplo, dar uma carga sensual à frase)

Nada! O ninguém do português apaga todas essas marcas e, consequentemente, desmancha toda uma teia de significação!
O que fazer diante disso? Não sei. Só sei que vida de tradutor não é fácil.
E a de leitor também. Repito: nunca podemos nos esquecer as gigantescas diferenças que há entre os textos original e traduzido.

3 comentários:

  1. Lo.Li.Ta. Adoro.
    Tradução é um problema mesmo, bom seria se pudéssemos ler tudo no original né.

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  2. boa questão esta levantada por ti, piá!

    é para sempre ficarmos ligados mesmo.

    eu gostei mais do "virilidade" na frase.

    abração!

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